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  • Foto do escritorAna Teixeira

"Alianças compositivas com distintos corpos"

O espetáculo Memórias para se transformar em flor, do bailarino colombiano, radicado em São Paulo há mais de uma década, Maurício Flórez (@mauricio.florez_), esteve em temporada no Sesc Avenida Paulista (@sescavpaulista) de 01 a 24/03. Instalado em uma das salas do quarto andar do edifício, o artista convida o público a participar como roteirista da peça, que traz à cena sua investigação e reflexões sobre a interação entre o corpo humano e o corpo vegetal.


Para esse trabalho, Maurício tem se dedicado, desde 2019¹, a observar as plantas, estudando seus comportamentos, modos de vida e interações com o mundo, buscando compreender o movimento, a dança e a relação entre o corpo humano e o corpo vegetal. As descobertas recentes sobre o universo vegetal revelam que as plantas possuem memória, inteligência e capacidade de comunicação entre si, além de fazerem escolhas. Essas movem o artista a querer se "transformar em flor". 


Em seus processos individuais, Flórez demonstra um interesse marcado por uma "vontade" de metamorfosear o corpo, buscando, nesse labor, a manifestação de um "corpo encantado", um corpo que procura chamar a atenção para o entendimento da diferença entre corpos humanos, não humanos, seres imaginados como uma das potências da vida. Na obra Um (2017), por exemplo, explora a noção do fenômeno do "monstro" a partir de gestuais de personagens de desenhos animados japoneses, alimentando-se também das reflexões do filósofo português José Gil, em seu livro, Monstros (2006). A intenção do artista estava em entender os mecanismos sociais que promovem a rejeição à diferença. A construção de seu "monstro" tensionou uma oposição a essa lógica, que atua como um dispositivo que age na construção da subjetividade, suscitando sentimentos de medo, estranheza, fascínio, repulsa a corpos que não se ajustam a um padrão considerado de "normalidade". Nessa criação, Maurício se permitiu vasculhar gestuais que pudessem lidar com pressupostos do mundo da imaginação, de mundos encantados, para se reinventar enquanto corpo que dança.


Na obra de 2024, durante uma hora e trinta minutos, Flórez se envolve diretamente com o público, compartilhando conversas, histórias e memórias de sua vida, danças e gestuais, entrelaçando-as com seus estudos sobre a vida das plantas. Essa fusão se manifesta como uma dança-palestra, na qual objetos cuidadosamente selecionados - incluindo plantas, livros, caixas, porta-retratos e esculturas... - dispostos no cenário, expõem diferentes camadas de sua pesquisa. A ordem de apresentação desses objetos é determinada pelo público, que experimenta uma imersão sensorial, com os sentidos do tato, olfato, visão, audição e movimento ativados durante a peça. Na dança final, Maurício se lança a uma grafia que explora a fluidez contínua de movimentos articulados e espiralados dos membros superiores, construindo uma espacialidade que conjuga deslocamento, peso, volume, leveza. A escolha de uma sala retangular, de dimensões reduzidas, está alinhada com a dramaturgia de Gustavo Miranda, proporcionando uma proximidade espacial que facilita a concentração da audiência nas conexões que vão se formando entre objetos, sons, textos, dança, o público, a cenografia e as plantas. 


Pretender ser um "corpo-monstro", um "corpo-flor" ou qualquer outra forma de existência, seja real ou inventada, ultrapassa o âmbito das brincadeiras de infância. Não se trata apenas de uma metáfora, mas sim de um dispositivo que parece desafiar os repertórios já estabelecidos em Maurício, abrindo-se para novas narrativas e outros repertórios, além daqueles limitados ao corpo humano. Talvez esse seja o entendimento de "encantamento" para Flórez: explorar e criar alianças compositivas com distintos corpos que ampliem e desestabilizem sua compreensão de corpo, dança e movimento.


1 Maurício participa do "Selvagem - ciclo de estudos sobre a vida", conduzido por Ailton Krenak, pensador indígena, e pela Editora Dantes, e estuda na Escola de Botânica de São Paulo. 



Homem de máscara vestindo saia vermelha em frente de rosas
Imagem por Gustavo Miranda

Sobre o artista: É dançarino, professor e coreógrafo. Nasceu em Medellín - Colômbia e mora em São Paulo desde 2012. É formado em dança e pedagogia na Universidade de Antioquia. Atualmente é estudante de botânica na Escola de Botânica de São Paulo e faz parte da comunidade Selvagem, espaço de pesquisa onde confluem arte, ciência e filosofias ancestrais indígenas, coordenado pelo pensador indígena Ailton Krenak e a Editora Dantes. Desde 2014 integra o núcleo artístico Key Zetta e Cia com direção de Key Sawao e Ricardo Iazzetta. Como artista independente criou as peças: Bolero (2015), UM (2017) e Memórias Para se Transformar em Flor (2024). Junto a seu parceiro Gustavo Miranda criou uma série de 65 minifilmes durante o período do isolamento social, este projeto foi indicado pelo APCA como melhor criação em dança em 2020. 

Sobre a peça: A peça é uma experiência performática, onde através de objetos, imagens e livros posicionados no espaço, vão sendo evocadas memórias do artista sobre a relação do corpo humano com o corpo vegetal e assuntos relacionados à metamorfose do corpo em planta.

 

"… Quando você vê uma flor, e a sente muito bonita. A sua alma e a alma da flor, se comunicam e intercambiam. Nesse momento você se torna a própria flor." – Takao Kusuno.   

 

Release: A peça utiliza a contação de histórias e a divulgação científica como ferramenta poética e expressiva para refletir e ampliar a ideia de vida para além do humano, convocando a admiração, a beleza e o encantamento pelo universo vegetal. Está composta por uma parte essencialmente narrativa e descritiva, com alguns jogos cénicos de luz e som, onde as pessoas interagem em diferentes atmosferas, dependendo do objeto escolhido. São as escolhas da plateia que desenham a dramaturgia da peça, pois é o público quem define em cada apresentação quais histórias serão contadas. O final da performance é sempre a mesma, a transformação metafórica do corpo em flor. 

Memórias Para Se Transformar em Flor apresenta um entrecruzamento de estudos científicos recentes sobre inteligência vegetal com narrativas que falam de uma natureza vegetal encantada.  Os conteúdos apresentados são inspirados no “Selvagem, ciclo de estudos sobre a vida”, que é um projeto orientado pelo pensador indígena Ailton Krenak e a editora Dantes, onde se tem como objetivo articular conhecimentos a partir de perspectivas indígenas, tradicionais, acadêmicas e científicas.

 

Ficha técnica


Criação, direção e performance: Mauricio Flórez

Dramaturgia e assistência de direção: Gustavo Miranda

Concepção de iluminação e espaço cênico: Hideki Matsuka

Assistência de iluminação e operação de luz: Patrícia Savoy

Produção: Corpo Rastreado / Danusa Carvalho 

Criação de figurino: Beto Souza / Thelores Drag

Criação de trilha: Hedra Rockenbach

Ambiente sonoro: Gustavo Miranda

Objetos cênicos e adereços: Marcos Yamamoto (cerâmicas), Satie Inafuku – arteSfato (adereço cabeça), Mauricio Celis (coração). 

Contrarregragem: Marcos Yamamoto, Ayrton Jacó Meneses, Enrique Casas. 

Colaboração artística: Key Sawao, Ricardo Iazzetta, Carol Minozzi, Bia Sano, Marco Xavier, Pedro Galiza, André Menezes. 

Aulas de botânica: Anderson Santos - Escola de Botânica de São Paulo.

Apoio: Key Zetta e CiaSelvagem, ciclo de estudos sobre a vida e Oficina Cultural Oswald de Andrade.



Homem mostrando retratos antigos no ch
Imagem por Gustavo Miranda


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