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  • Foto do escritorMarcio Tito

"Instante-Já" - Ou como Manoel de Barros dançaria a palavra Agora-imediato.

Apresentando um largo conjunto de estratégias que não somente cercam, mas também desabrocham o tempo presente, a dupla de artistas Claudia Palma & Marcus Moreno, pela via de um delicado díptico de composições super-autorais, rompe o véu da realidade imediata e bafeja, de modo subjetivo e racional, uma força de vida profundamente inspirada pela eleição do corpo humano enquanto principal eixo para a experiência do Agora.


Instante-já, excelente nomenclatura poética criada para batizar e dar pistas acerca do material disposto ao centro de um grande palco vazio, é, em chave "Manoel de Barros", o mais perfeito substantivo para o pulso e para a contraluz da obra. Adiante, se a palavra expressa por Claudia Palma surge como uma quase simplória, incipiente e programática forma de lidar com a primeira camada do véu a ser rompido pela encenação, no ato seguinte, ressignificando o primeiro tempo da obra, o que se vê, pelas mãos de Marcus Moreno, é a palavra transmutada em "tec-tec" (ou pelo estalido da bola plástica contra a raquete feita de borracha e madeira fina). Ou seja - em processo dissolutivo e gradual - progredindo a obra em direção ao "nada que brilha em tudo que existe" - Claudia e Marcus passam a operar um tipo de sequência fantasma que, pelo gesto, ou pela força da sinopse dos materiais, lentamente escapa ao circunscrito da carne e da fala e passa a ambientar-se em objetos, luzes e, por fim, trilha sonora, fumaça e vazio.


O que impressiona, e o que realmente torna o trabalho uma ilha de procedimentos postos em uma mesma direção, é a sinergia entre os movimentos dramatúrgicos geral. Ao adentrarmos o espaço, como um cicerone procurando afirmar que o tempo presente está de fato ganhando a qualidade de uma presença especial, ou seja, também intensa porque excepcional, Claudia Palma arma toda a sequência e a finalização do espetáculo. E os de gestos afirmativos nunca param ou deixam de mover a grande máquina do "texto". 


Existe algo mais presente do que engolir, comer ou deglutir algo? Coisa mais presente do que escolher? Ou, em um tipo de experiência dada às crueldades artaudianas - algo mais presente do que servir ao desejo do outro? 


A diretora artística da iN SAiO Cia. de Arte, Claudia Palma, vive a coragem de ir lentamente construindo o espaço simbólico que, adiante, encontrará a sua máxima potência em luz, breu, objetos cênicos e música. Sendo assim, forçando um início apenas balizado por uma iluminação-semi-fixa e pela entrada de uma moldura musical somente ao término, Claudia demonstra uma pulsante percepção performática de si enquanto ferramenta nascida somente para realizar os desejos da cena. Tal submissão ao processo, exibindo o que sempre desenha sacrifícios no ar, de forma incendiada e potente, e de fato fazendo o sabor da dramaturgia ecoar nas mais diversas direções, nos faz absorver o discurso do material. Na esteira, ao vermos a sinopse flutuar acima de cada demanda, não aparecemos mais capazes de nos evadirmos da  curiosa missão trazida e realizada com excelência pelo extraordinário espetáculo - acessarmos o espírito do instante e sabermos que todas as frações de milésimos possuem esqueletos que tornam-se visíveis por meio de rituais estéticos e poéticos.


"Instante-Já", com tenebrosa naturalidade, realiza um feitiço bastante complexo e faz parecer fácil e dócil o caminho da perfeição. Com destaque para a carga poética do movimento final, "Instante-Já" encontrou a quintessência de sua própria revelação.


Homem branco de cabelos pretos, vestindo camiseta e bermuda pretas. Está olhando para frente com a mão no rosto. Trata-se de uma cena de dança.
Foto de Silvia Machado

Sobre a obra

Fonte: marcusmoreno.wixsite.com


Tudo o que acontece no cérebro se inicia a partir de células conhecidas como neurônios. De um neurônio para outro há, em muitos casos, pequenos vãos, preenchidos por substâncias químicas liberadas a cada disparo de um impulso elétrico. São eles que influenciam a produção de imagens provenientes dos sentidos humanos e do fluxo dos nossos pensamentos.

 

Como captar o instante de um acontecimento? Quais imagens se constroem neste instante? É possível dançar uma imagem antes mesmo de conseguir nomeá-la?

 

Estes foram alguns disparadores para a criação de instante-já, nome que tem inspiração na obra Água Viva da escritora Clarice Lispector, nas poéticas que refletem sobre a passagem do tempo e que, neste contexto são contaminadas por ideias relativas à percepção, memória e produção de imagens, presentes no universo das ciências cognitivas. O curso deste desejo de dançar o instante-já se aprofundou a partir do encontro de Marcus Moreno com a artista uruguaia Andrea Arobba, por meio da imersão em materiais criativos levantados ao longo de uma residência artística realizada no Centro de Referência da Dança (CRDSP). Este é um trabalho que tem sua origem no encontro: com o tempo, com o espaço, com diferentes corpos, com maneiras distintas de fazer dança. Um solo construído por muitas presenças, em muitos instantes.

 

O ar é o não lugar onde tudo vai existir (C.L.)


Ficha Técnica


Concepção e Dança: Marcus Moreno

Colaboração Artística: Andrea Arobba (GEN)

Criação de Luz e Espaço Cênico: Hernandes de Oliveira

Trilha Sonora Original: Antonio Porto

Pesquisadores convidados do Ciclo Presentificar: Ivan Hegen, Jussara Miller, Paula Petreca, Virgínia Souza e André Cravo Fotos: Silvia Machado

Design Gráfico: Ruth Alvarez

Registro em Vídeo: Nome Filmes Assessoria de Imprensa: Elaine Calux

Audiodescrição: Daniella Forchetti | Música e Movimento Assistente de produção e mídias sociais: Juliana Vinagre Produção Executiva: Cristiane Klein

Direção de Produção: Dionísio Produção

 

Obra criada em 2019 com apoio do Programa Municipal de Fomento à Dança para a Cidade de São Paulo – Secretaria Municipal de Cultura.

*Indicado ao Prêmio APCA Dança nas Categorias: Estreia do ano e Prêmio Técnico para Luz e Espaço Cênico de Hernandes de Oliveira.



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